Desconectar para se conectar: a importância de viver o momento
- Redação

- 21 de set.
- 4 min de leitura

Por Marco Antônio da Silva*
Em tempos de telas luminosas e notificações incessantes, estamos cada vez mais presentes no mundo virtual e, paradoxalmente, ausentes do mundo real. Viagens, encontros com amigos e até pequenos instantes de prazer cotidiano como um café ao entardecer ou uma caminhada à beira-mar acabam sendo reduzidos a registros fotográficos e postagens instantâneas. Mas será que estamos realmente vivendo esses momentos?
O fenômeno não é recente, mas ganhou força nas últimas décadas com a popularização dos smartphones e o crescimento acelerado das redes sociais. Hoje, praticamente todo o nosso cotidiano passa pelo filtro da tecnologia. Uma refeição entre amigos não começa sem que alguém fotografe o prato, um pôr do sol precisa ser imediatamente compartilhado e até o riso coletivo vira vídeo. Sem perceber, criamos a necessidade quase compulsiva de provar ao mundo o que estamos vivendo, quando, na verdade, o maior valor de uma experiência é senti-la de forma plena.
Este artigo busca refletir sobre a importância de se desconectar para se reconectar com a vida real. Mais do que criticar a tecnologia, pretende provocar questionamentos sobre o equilíbrio entre mundo digital e presença humana.
O excesso de uso do celular em experiências significativas cria uma barreira invisível entre nós e a vida que acontece. Ao focarmos na tela, perdemos nuances fundamentais do instante: o tom de voz de quem fala, a textura do vento que sopra, os detalhes que jamais caberão em uma fotografia. É como se estivéssemos presentes fisicamente, mas distantes emocionalmente.
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Essa distância afeta também nossa saúde mental. Estudos recentes mostram que a superexposição às redes sociais aumenta a ansiedade, fomenta a comparação constante e gera a sensação de insuficiência. As vidas perfeitas mostradas em fotos editadas contrastam com a imperfeição real de nossas rotinas. O resultado é um ciclo de cobrança e insatisfação que mina a autoestima.
Além disso, a hiperconexão rouba algo precioso: o tempo. Minutos gastos em rolagens infinitas poderiam ser dedicados à leitura de um livro, a uma caminhada ao ar livre ou a uma simples conversa com quem amamos.
Viajar talvez seja o exemplo mais emblemático dessa relação distorcida. Em vez de contemplar as cores de um mercado popular, reparar na arquitetura de uma praça ou ouvir o sotaque carregado da população local, muitas pessoas vivem atrás da lente do celular. O que deveria ser uma imersão cultural se transforma em uma corrida por registros “instagramáveis”.
Mas será que uma lembrança é mais valiosa quando ganha curtidas ou quando nos marca a alma?
Aqueles que já experimentaram desligar-se do telefone durante uma viagem relatam uma sensação de liberdade. Sem a pressão de fotos perfeitas, surge espaço para perceber detalhes: o vendedor que conta histórias enquanto serve um prato típico, a criança que brinca despreocupada em uma rua estreita, o silêncio que domina uma montanha ao amanhecer.
Esses momentos, por mais simples que sejam, permanecem vivos na memória não pelo registro em pixels, mas pela intensidade com que foram vividos. Afinal, as melhores lembranças não estão em arquivos digitais, mas naquilo que se imprime no coração.
O mesmo raciocínio se aplica às relações pessoais. Quantas vezes estamos diante de alguém querido e, em vez de ouvir com atenção, dividimos nosso foco com mensagens e notificações? O olhar nos olhos, a escuta atenta e a presença genuína são insubstituíveis.
A comunicação humana vai muito além das palavras. O tom de voz, a expressão facial e os gestos carregam significados profundos que não podem ser transmitidos por mensagens rápidas. Quando negligenciamos esse contato direto, empobrecemos os vínculos e perdemos a oportunidade de construir lembranças autênticas.
Pequenas lembranças construídas no “aqui e agora” tornam-se muito mais valiosas do que curtidas virtuais. Uma conversa profunda, um abraço inesperado ou até um silêncio compartilhado valem mais do que qualquer publicação.
Desfrutar da vida é um exercício de contemplação. É permitir-se parar, respirar fundo e sentir gratidão pelo instante que acontece — e que nunca mais se repetirá da mesma forma.
Contemplar significa estar inteiro no momento presente. Isso envolve atenção plena, ou mindfulness, conceito trabalhado na psicologia contemporânea como prática para reduzir a ansiedade e aumentar a qualidade de vida. Ao treinar a mente para se focar no aqui e agora, desenvolvemos maior capacidade de apreciar o cotidiano e lidar com os desafios de forma equilibrada.
É reconhecer que, enquanto a memória do celular pode ficar cheia, o que realmente importa são as memórias gravadas em nós.
Importante destacar que desconectar-se não significa rejeitar a tecnologia. Os avanços digitais trouxeram inúmeros benefícios: encurtaram distâncias, facilitaram o acesso à informação e democratizaram a comunicação.
A questão central é o uso consciente. O celular pode registrar imagens, mas só a nossa presença registra sentimentos. Criar momentos sem a mediação das telas é, em essência, criar espaço para o inesperado, para as conexões autênticas e para o simples prazer de existir.
No fim das contas, o verdadeiro luxo não está em carregar o aparelho com milhares de fotos, mas em levar no coração experiências que nos transformam. O desafio é escolher: queremos colecionar registros digitais ou viver plenamente aquilo que realmente importa?
Talvez a resposta esteja em algo simples: guardar o celular no bolso, levantar os olhos e, finalmente, estar presente.
Desconectar para se conectar é mais do que uma escolha individual: é um gesto de autocuidado, um ato de resistência diante da velocidade do mundo e uma oportunidade de redescobrir o valor da vida em sua forma mais pura.
*Prof. Marco Antonio da Silva, mestre em Ciência das Religiões, Licenciado em Filosofia e Pedagogia. kantsophos@bol.com.br
Imagem Freepik
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